A história de "Neguinha"

No novo bairro dos novos ricos havia dezenas de construções pipocando aqui, ali e também mais ao longe. E onde tem construção, tem pedreiros destemidos em busca do seu honesto ganha-pão. E onde há pedreiros (que dormem na obra), rola sempre uma putaria básica e necessária nas parcas horas livres. Afinal, esses homens merecem se divertir após o árduo e exaustivo trabalho braçal.

Eu passava alguns dias na nova casa de velhos amigos. Naquele fim de semana, enquanto todo mundo resolvera curtir praia e mar aproveitando o feriado prolongado, o Urso Maior aqui buscou o isolamento necessário para curtir seus mundos imaginários, criando as delícias que deliciam (hi, hi, hi) os leitores.

Naquele sábado de uma tarde tranquila, num momento de folga brincando com os cães, ele surgiu de repente atrás da baixa cerca de madeira que cerca a única propriedade "morável" daquele lado da rua.

E mesmo antes de se apresentar, vendo o peludão aqui apenas de bermuda a se enroscar feliz da vida nos pelos de dois enormes labradores, foi logo me cantando, assim, na lata.

Apesar da minha eterna cara amarrada, fui delicado, doce e civilizado como realmente sou, apenas sendo sincero e deixando claro que ele não fazia meu tipo (não gosto - fisicamente - de garotos; não sinto atração física e sexual por caras, por exemplo, mais morenos do que eu, ou de traços asiáticos ou homens lisos e delicados em excesso).

Sem pestanejar, o rapaz mudou o foco da conversa. Bastou três minutos e parecia que éramos amiguinhos de longa data.

"Neguinha" me confessou que adorava passear naquele bairro em formação. Ele era um bambee que adorava "caçar" machos rústicos, cobertos de cal e cimento, que - segundo ela - davam sopa por ali.

Neguinha (era assim mesmo que ela gostava de ser chamada) era um simpático baiano, moreno jambo na casa dos 20 (mas com cara de 16 e jeito de 12), magro, de boa estatura, proprietário de um corpo bem moldado nas incontáveis horas de malhação axémusic que ela ministrava numa academia local.

O olhar castanho esverdeado (não é lente, viu, dona ursaaa!, ela dizia, afetada, a todo instante) era emoldurado por um sorriso fácil, um tanto escrachado e afetado demais, mas que escondia por trás de dentes perfeitos aquele gostoso lado criança que todo mundo deveria expor com mais frequência no decorrer da vida.

Neguinha era o estereótipo perfeito da "bicha louca". Usava um pedaço de pano vermelho que ela jurava que era um short. E para realçar o negro peitoral magnífico, ela usava uma regata omo-dupla-ação que resplandecia um branco surreal.

Nas mãos havia uma caralhada de anéis de todos os tipos e formatos imagináveis rosqueados em dedos finos. Os anéis brigavam entre si para ver quem ganhava o título de "o mais medonho" da estação. Unhas roídas destoavam um pouco das mãos fortes, porém delicadas (o segredo está no Nivea, dona ursaaa!, ela dizia, sempre afetada, a todo instante), mas carregadas de um toque frio e levemente trêmulo.

Abaixo do paninho vermelho de lycra que lhe cobria um rabo de fazer inveja a Beyoncé, Neguinha tinha como mais um trunfo um par de coxas lisas, do sabor do melhor chocolate (segundo ela), torneadas à perfeição.

Para arrematar o visual, ela calçava um par de Havaianas "amarelo estou aqui" customizada, onde as tiras de borracha levavam uma miríade de miçangas e outros badulaques brilhantes e coloridos que endeusavam pés finos, delicados, de unhas muito bem manicuradas (um contraste violento com as unhas das mãos).

Tirando o visual descaradamente "Mamãe, hoje é sábado e eu quero dar!", e se ela não abrisse a boca deixando vazar uma quantidade enorme de serpentina misturada com lantejoulas furta-cor, Neguinha seria um belo rapaz de traços másculos e viris, que certamente atrairia corações tanto femininos quanto masculinos que adoram um fantástico exemplar de um negro escultural tipo bem brasileiro.

Nos despedimos. Entrei em casa. Tomei um banho rápido. Decidi relaxar na varanda e aproveitar para terminar de ler, pela trigésima vez, um livro do James Baldwin.


Neguinha passeava pela rua jogando seu traseiro pra lá e pra cá. Incansável, notei que ela queria porque queria dar para três homens que trabalhavam na obra bem em frente da casa onde eu estava hospedado.

Da varanda, devidamente escondido atrás de um vaso enorme com uma planta enorme de folhas enormes, eu podia curtir as ações e estratégias de Neguinha, que fazia de tudo para chamar a atenção dos tais pedreiros, que até o momento fumavam e jogavam conversa fora, enquanto ouviam música podre brasileira num surrado radinho de pilha.

Ceará, Baiano e Pernambuco (não tenho a mínima ideia de como eles se chamam, mas percebi discretamente, dias depois, que era assim mesmo que um chamava o outro), sentados no que seria o futuro quintal da quase acabada obra, ora ralhavam, ora xingavam, ora quase ameaçavam botar Neguinha pra correr. Era evidente que eles não gostavam daquele tipo de ser. E faziam questão de deixar suas preferências bem claras.

Neguinha, obviamente, não estava nem aí para a hostilidade. Estava na cara que ela colocou na cabeça que "faria os três" e nada desse mundo iria mudar seu objetivo insano. Ao som da música medonha que saía do rádio, Neguinha mandava ver nas suas coreografias rebolations.

Pernambuco era o que mais evidenciava seu ódio pelo "tipo". Era visível que ele se sentia desrespeitado diante do balé bambeestico. Neguinha ia de um lado para o outro, rebolando e se insinuando cada vez mais. E dá-lhe xingamentos e ameaças de pancadaria mais do que física.

Mas ela não desistia.

De repente, Neguinha sumiu do pedaço. Bom, se fosse eu, teria desistido da empreitada e procurado novo local de caça, além de buscar homens que decididamente curtem homens. Mas Neguinha, se achando "a" esperta, voltou dali meia hora, aproximadamente. À tiracolo, ela trazia uma daquelas bolsas térmicas enormes, onde em seu interior havia também uma quantidade colossal de cervejas bem geladas.

A bebida compra o homem. Isso é um fato. De posse da tentadora moeda de troca, Neguinha investiu mais uma vez nos três homens. Cansados do serviço e da batalha, abaixaram as armas da intolerância, desde que, é claro, Neguinha entregasse o que eles realmente queriam e precisavam naquele calorento fim de tarde.

Bohemia, Bohemia, Bohemia. Glub, glub, glub!

Risadas falsas, brincadeiras humilhantes, vi que Neguinha se sentia triunfante no meio dos homens rústicos e agora chapados.

Baiano foi o primeiro a cair fácil no limbo do álcool, se deixando levar pelas investidas de Neguinha. E, claro, com o passar do tempo, lá foi ela para os fundos da obra, dar seguramente um trato no pau do pedreiro novinho.

Minutos depois, lá vem ela na passarela, feliz e rebolante mais do que demais. Ceará e Pernambuco, já pra lá de Deus me livre, queriam terminar a tarde bem servidos. Afinal de contas, quem não tem tu, vai de tu mesmo.

E "tu" de bambee oferecida não tem dono!

Ceará sumiu com Neguinha. Demoraram um tempão. E lá voltou nossa querida e suada amiga com um sorriso de orelha a orelha. Ceará surgiu segundos depois, também estampando um ar de contentamento por ter metido gostoso na tal da bicha morena.

Descobri esse detalhe porque ele não se conteve, e contou gritando aos amigos que "aquela bicha chupava e dava melhor que muita puta!". Fato devidamente confirmado, a plenos pulmões, por Baiano, um jovem pedreiro que tinha cara de inexperiente em tudo na vida, que já esboçava reação no "baianão", talvez ansioso e pronto para mais alguns instantes de fodaria.

Pernambuco, não querendo ficar pra trás, cambaleando agarrou com certa violência nossa amiga insaciável. Neguinha, amando ser humilhada e se sentindo dona da situação, tratou de ali mesmo, na frente dos outros dois, provocar Pernambuco, afirmando que ele não era homem capaz de meter melhor do que os companheiros; dizendo-lhe "seu pau deve ser do tamanho do meu mindinho", entre outras barbaridades que ferem qualquer cristão machista perdido nesse mundo hipócrita.

Não deu outra. Pernambuco - o mais velho dos três - abaixou ali mesmo sua suja calça de moletom, ostentando uma vara empinada que causaria inveja a muito marmanjo jovem.

Ele deu um tapa doído no traseiro de Neguinha, puxando em seguida a cintura do jovem para junto do seu bem servido mastro. A noite já havia caído. Baiano e Ceará, trêpados, comentavam aéreos sobre uma partida de futebol que se dera dois domingos atrás.

Sem mais, nem porque, soquei solitário uma punhetinha momentânea.

O tempo passou. Sons estranhos eram ouvidos ao longe. Um grito feminino rasgou a noite. Neguinha apareceu sabe-se lá de onde. Camiseta suja, aparentemente rasgada; short na mão, cueca inexistente, percebia-se que seu rabo estava todo sujo, e ela apressava-se para se vestir, mas não aparentava querer abandonar o local sem antes realizar seu último ato de sandice.

Por que todo bambee adora "um último ato de sandice"?

Pernambuco apareceu, munido de uma pá, calça baixa, pau ainda duro, que subia e descia conforme o ritmo da sua respiração furiosa.

"Eu vou matar essa bicha", Pernambuco gritava. "Essa filha da puta esmerdeou todo meu caralho!", ele fazia questão de mostrar o cacete para os amigos, que não estavam nem ai diante da cena surreal e patética.

Nervoso, comecei a rir. Mas o babado estava longe de virar um pastelão.

Neguinha peitou Pernambuco (errada decisão), ameaçando chamar a polícia, o Lula, o Papa. Por um verdadeiro milagre aquela pá na mão do pedreiro não voou na cabeça de Neguinha.

Berros e cenas barraqueiras, percebi ao longe que finalmente alguns discretos moradores que não haviam viajado ameaçavam dar uma espiada no que estava acontecendo.

Neguinha gritou, esperneou, achava que estava com a razão.

Notando que Pernambuco, apesar da bebedeira, ia realmente partir para uma fulminação bambeestica, Neguinha - leve e em forma - deu no pé rapidinho, correndo e sumindo rua afora, porém fazendo questão de soltar aos quatro ventos que ela ia "lutar pelos seus direitos" e que "aquela agressão não ficaria em vão".


Os dias se passaram. Eu tive que ir embora.

Curioso, descobri tempos depois, através de um amigo policial, que Neguinha - conhecidíssima figura folclórica na comunidade - tinha levado uma surra feia de dois seguranças de um supermercado numa cidade vizinha.

Segundo ela (que prestou queixa): "... fui forçada a entrar naquele quartinho e manter relações sexuais com esses dois brutamontes". Segundo eles (práticos e já sabendo que sairiam impunes): "o viado apareceu por aqui, ofereceu dinheiro pra gente comer ele... e depois não quis pagar o que tinha prometido pra nóis... então, a gente resolveu dar uma lição nele..."


Pelo que me consta, Neguinha continua vagando por ai, sempre à procura de seus homens rústicos; sempre na eterna busca da aventura de prazeres que superam os riscos... achando que tem o direito de invadir o território de qualquer homem, acreditando que toda transa vale a pena, não importa a consequência pós ato insano, que mais dia menos dia, pode acabar em merda... ops... em morte!


* * *


O que me deixa puto nessa história é notar que tem muito dono de ONGay que diante de fatos como o descrito acima, grita e esperneia pelos "direitos dos homossexuais" que, segundo essas antas, "são discriminados e sofrem com a homofobia da sociedade".

Tá, até concordo que haja realmente situações inaceitáveis e absurdas de abuso contra os gays. Também tenho plena consciência de que há ainda homofobia em excesso em todos os segmentos e que é justo lutarmos para que pelo menos a tolerância àquilo que optamos ser seja respeitado.

O que acho foda demais é ter certeza de que na maioria esmagadora das vezes SOMOS NÓS os culpados por disseminar ainda mais o ódio contra nós mesmos.

Eu, você e ele... quantas e quantas vezes não corremos atrás de uma aventura com um macho qualquer, sem sequer dar bola pela preferência do outro, dando apenas razão à máxima absurda de que "todo mundo é gay!" ou de que "toda macho é um comedor em potencial", entre outras asneiras ainda fortemente enraizadas dentro de nós mesmos?

Até que ponto "a sociedade" tem culpa pelos nossos destemperos?

Até quando vamos nos submeter a selvageria dos nossos instintos apenas para satisfazer nosso corpo com a conquista passageira de um caralho em nosso rabo?

Será que não enxergamos que somos nós mesmos a prejudicar uma enormidade a nossa aceitação perante os trouxas, (trouxas = "normais", segundo a bíblia raripótiana) tudo por causa desse fogo no cu que não conseguimos apagar, sempre em busca do caralho perfeito, não importa quais consequências resultem dos nossos atos?

Somos nós que fazemos questão de mostrar para a "sociedade masculina" que "todo viado é PASSIVO mesmo" e nos esquecemos da premissa universal de que se há GAYS que dão, há também GAYS que comem!

Tá, é claro que é delicioso curtir uma aventura sem compromisso, com um homem sem identidade, algo "de momento". Mas a diferença aqui é saber ONDE buscar essa aventura. Saber COMO transar com segurança. Saber PORQUE tem de haver o imprescindível bom senso.

Aquele lance do olhar, da química, do desejo DOS DOIS curtirem algo juntos é que é o grande barato de tudo. E isso, meu caro, conseguimos numa boa, sem precisar nos envolver em situações cabulosas.

Então, da próxima vez que você quiser transar com "machos rústicos, cobertos de cal e cimento", saiba que eles existem, eles transam, eles curtem, mas PORRA, tenha o mínimo de discernimento durante a sua caçada.

Saiba respeitar o espaço e a preferência alheia, para que pelo menos assim se possa minimizar os prejuízos morais, emocionais e físicos que atos insanos e burros sempre trazem à tiracolo.

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